O que é o transplante de medula óssea? E o transplante de células estaminais?
A medula óssea é o tecido que existe dentro de alguns ossos e onde se produzem as células do sangue; é constituida por várias células, nomeadamente pelas células estaminais, fibroblastos, células adiposas e por vasos sanguíneos.
As células estaminais, também chamadas células do tronco ou células-mãe progenitoras, têm a capacidade de se auto-replicar e de se diferenciar, dando origem a todas as células do sangue: globulos vermelhos, globulos brancos e plaquetas. Essas células estaminais, têm uma caracteristica da sua superfície, um antigénio designado por CD34, que permite a sua identificação.
Em algumas doenças que afectam a medula óssea, como as leucemias, ou em que há diminuição da produção de células estaminais, como na aplasia medular, pode ser necessário administrar ao doente as células saudáveis de um dador. O transplante de medula também está indicado em outras situações, como em algumas anemias hereditárias e em outras doenças mais raras, como na imunodeficiência congénita e algumas doenças metabólicas hereditárias.
Esse procedimento, que não é uma cirurgia, mas que é semelhante a uma transfusão de sangue, designa-se transplante de medula, ou de células estaminais.
Como é feita a colheita dessas células?
A colheita das células estaminais pode ser feita pela extracção de medula óssea, como se faz na técnica de mielograma, ou a partir do sangue periférico, por um processo designado por aferése.
Na colheita de medula o dador será submetido a uma anestesia geral, e através de punção do osso da bacia é retirada a necessária quantidade de medula óssea que é administrada ao doente através da veia, tal como uma transfusão. As células do dador entram na circulação sanguínea e na medula do doente encontram o ambiente favorável para que aí se multipliquem e diferenciem. A recuperação de uma medula normal demora várias semanas. Para o dador os riscos deste processo são idênticos aos de qualquer outra anestesia de curta duração e a sua medula óssea recupera rápidamente, sem que haja perigo para a sua saúde.
Na aférese a colheita das células estaminais circulantes, CD34+ é realizada através de uma veia periférica. O dador fica ligado a uma máquina por onde circula o seu sangue, sendo separadas as células estaminais que serão armazenadas num saco de transfusão; o restante sangue é devolvido ao dador através de outra veia. Este processo, chamado aférese, pode demorar cerca de 4-6 horas e não tem praticamente qualquer risco.A decisão sobre o tipo de colheita é determinada pelo dador de acordo com a informação dada pelo médico hematologista.
Quem pode ser dador ?
O transplante pode ser feito pela colheita de células de um dador saudável, cujas caracteristicas particulares do sangue sejam compatíveis com o do doente - transplante alogénico - ou com as células do proprio doente - transplante autólogo.
Há actualmente a possibilidade, nas mães que optem por ser dadoras, de se colher sangue umbilical após o parto, sendo guardadas as células estaminais do cordão umbilical para serem usadas num transplante não relacionado.
Transplante alogénico
Dador
O dador será uma pessoa saudável, cujas células tenham características semelhantes às do doente, o que é determinado por estudos de histocompatibilidade do sistema HLA.; falamos assim de transplante de dador compatível, familiar ou não familiar.
Pode igualmente ser realizado um transplante em que a compatibilidade é parcial, como acontece de pais para filhos, ou de filhos para pais - transplante haploidêntico.
O dador é avaliado pela equipe médica, de modo a serem evitados riscos desnecessários e a decisão sobre o tipo de colheita é do dador.
No caso de se optar pela colheita pela aferése, o dador será submetido à administração de um factor de estimulação das células estaminais - filgastrim - nos dias que precedem a colheita.
Existem em todos os países desenvolvidos centros de colheita e de análise da medula e o número de dadores voluntários é cada vez maior o que aumenta a probabilidade de se encontrar um dador compatível, para qualquer doente, em qualquer parte do mundo.
Doente
Durante todo este processo o doente tem de ficar internado, em isolamento, podendo no entanto ter algumas visitas.
Antes do transplante são realizados vários exames para avaliar o estado de saúde geral e prevenir eventuais complicações. Será colocado um cateter central, numa veia do pescoço ou no torax, abaixo da clavícula que permite a transfusão das células estaminais e sangue, assim como a administração de medicação.
Nos dias anteriores ao transplante o doente é submetido a um processo designado por condicionamento que inclui quimioterapia muito intensiva, podendo ser associada a irradiação corporal total, de forma a eliminar o maior número possivel de células malignas. Em alguns casos, particularmente nos mais idosos, pode ser utilizado um condicionamento reduzido, sem prejuízo do sucesso do transplante.
O condicionamento pode acompanhar-se das habituais complicações da quimioterapia: nauseas, vómitos, queda de cabelo, lesão das mucosas, infecções e possivel lesão de alguns orgãos como o fígado e rim. Muitos destes efeitos secundários podem ser em grande parte evitados, ou reduzidos, com medicação e medidas adequadas.
O que acontece no transplante ?
Após o condicionamento, no dia designado por " Dia Zero", são transfundidas as células estaminais, que foram colhidas no dador. Este processo é indolor e o doente permanece acordado, como numa transfusão de sangue.
As células estaminais do dador entram em circulação e irão fixar-se na medula óssea onde se irão multiplicar e dar origem a novas células sanguíneas. Este processo demora várias semanas, durante as quais o doente tem de continuar internado pelo risco de infecções, podendo necessitar de transfusões de sangue e de plaquetas.
Para que não rejeite a medula do dador, o doente tem de fazer durante várias semanas um tratamento de imunosupressão, o que aumenta o risco de infecções.
Quais são as complicações do transplante?
Em alguns casos todo o processo de transplante decorre sem situações graves mas em outros podem existir várias complicações algumas potencialmente fatais.O risco depende de factores como o tipo de doença, a idade e estado de saúde geral do doente e o tipo de transplante.
São complicações mais frequentes, e que podem surgir nas semanas após o transplante:
- Doença do enxerto contra o hospedeiro, no transplante alogénico, em as células do sisteme imunológico do dador rejeitam as do doente e que se manifesta por lesões ao nível da pele, fígado e sistema digestivo.
- Infecções
- Falência do transplante
- Lesão de alguns orgãos.
- Doença vaso-oclusiva hepática - em que há obstução dos vasos no fígado e que pode ser muito grave.
As complicações tardias são:
- Doença do enxerto contra o hospedeiro tardia, que se caracteriza por alterações da pele e mucosas, olhos secos, complicações pulmonares, diarreia, nauseas e vómitos, icterícia.
- Cataratas
- Infertilidade
- Aparecimento de outras neoplasias.
Transplante autólogo
Em algumas doenças, como por exemplo no mieloma múltiplo, ou no linfoma, pode-se proceder ao transplante autólogo, ou seja utilizando a própria medula do doente.
Neste caso, depois de ter concluido o tratamento e não existindo sinais da doença – remissão – é feita colheita de células estaminais por aferése sendo guardadas congeladas. O doente é então submetido a uma quimioterapia mais intensiva, de modo a eliminar um número ainda maior de células neoplásicas, sendo-lhe depois administrada as sua próprias células, através de uma veia.
Neste caso não há o perigo de rejeição, pois são utilizadas as células do próprio doente. Este procedimento permite que o doente seja tratado com uma dose muito elevada de quimioterapia, que poderia ser fatal se não fosse “salvo” pela sua própria medula; há no entanto a possibilidade de aí existirem ainda algumas células tumorais, que podem levar mais tarde a uma recaída.
O que posso esperar como resultado do transplante?
Os objectivos do transplante são a cura, ou a remissão mais duradoura da doença, assim como o prolongamento e melhoria da qualidade de vida; estes resultados dependem muito do tipo de doença que o motivou e felizmente são cada vez mais prometedores.
Algumas pessoas ultrapassam todo este processo com poucos sintomas mas em alguns casos existem efeitos secundários prolongados que podem condicionar de algum modo a qualidade de vida do doente. Deve lembrar-se das várias pessoas que fizeram transplante de medula há anos e que se encontram bem, tendo superado todas as complicações secundárias, levando uma vida activa e sem doença.