O que são?
As síndromes mielodisplásicas (SMD) são um conjunto de doenças em que há uma alteração maligna da medula óssea que atinge as células precursoras das células sanguíneas. Esta alteração leva a modificações das caracteristicas das células – displasia – e à sua deficiente maturação; como consequência há anemia, diminuição dos glóbulos brancos e das plaquetas com aumento das células imaturas, chamadas blastos. Em cerca de 1/3 dos casos há evolução para leucemia mieloblástica aguda.
Há vários tipos de síndromes mielodisplásicas?
A Classificação das SMD pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é baseada na diminuição de um ou mais tipo de células – citopenia(s) – na presença de células chamadas sideroblastos, no número de blastos e na alteração de cromossomas. O diagnóstico de leucemia aguda corresponde a um número de blastos na medula superior a 20%.
Quais são as características de cada tipo de SMD?
Citopenia refractária com displasia unilinear - corresponde 5-10% dos SMD. Há diminuição de um único tipo de células sanguíneas sendo a mais comum a anemia refractária (AR); o número de blastos na medula é inferior a 5%. A maioria dos doentes têm uma sobrevida longa e a evolução para leucemia aguda é muito rara.
Anemia refractária com sideroblastos em anel - é muito semelhante à AR, mas na medula encontram-se precursores dos globulos vermelhos com depositos de ferro à volta do núcleo, como um anel – sideroblastos.
Citopenia refractária com displasia multilinear - constitui cerca de 40% dos SMD. Há diminuição de mais de uma série de células do sangue e apresentam displasia; o número de blastos é inferior a 5%. É situação mais grave, com várias complicações e cerca de 10% destes doentes vêm a ter leucemia aguda.
Anemia refractária com excesso de blastos-1 (AREB-1) – é uma situação semelhante à anterior mas existe maior percentagem de blastos na medula (5-10%.), podendo igualmente encontrar-se no sangue periférico. A probabilidade de evoluir para leucemia aguda é de cerca de 25%
Anemia refractária com excesso de blastos-2 (AREB-2). O número de blastos na medula e sangue periférico é superior (10-20%) e existem geralmente diversas anomalias no estudo citogenético. Cerca de 50% dos casos termina em leucemia aguda.
SMD não classificável. É um tipo muito raro em que as anomalias encontradas não se enquadram em nenhuma das outras classificações.
SMD associado a deleção do cromossoma 5 ( síndrome 5q-) – caracteriza-se por anemia, com globulos brancos normais e por vezes com aumento das plaquetas – trombocitose; a percentagem de blastos na medula é inferior a 5%. Encontra-se uma perda (deleção) de parte do cromossoma 5 ( del 5). Tem um bom prognóstico e responde ao tratamento com imunomoduladores.
Qual é a causa?
É devida a alterações de um cromossoma, como perda de parte do cromossoma 5, do cromossoma 7, ou Trissomia do par 8. Em alguns casos encontram-se múltiplas anomalias.
Na maioria dos SMD a causa dessas alterações é desconhecida. Em alguns casos, surge após tratamento com determinada quimioterapia, alguns medicamentos ou com radiações. Estes casos designam-se SMD secundárias e o prognóstico é pior. Outros factores como o tabaco e o contacto prolongado com produtos químicos, como o benzeno e pesticidas, aumentam o risco de SMD.
É uma doença hereditária? É contagiosa?
Não é uma situação hereditária nem é contagiosa.
É uma doença frequente?
A incidência na Europa é de 3-4/100.000 habitantes/ano. É mais frequente no sexo masculino, particularmente nos mais idosos – cerca de 60% dos doentes têm mais de 70 anos; é rara na infância.
Quais são os sintomas?
Na fase inicial pode não haver sintomas e ser apenas detectada num hemograma de rotina. Os sintomas mais frequentes são devidos à anemia ( diminuição dos globulos vermelhos– cansaço, palidez, tonturas, falta de ar com esforço ou agravamento de sintomas cardíacos. As infecções são frequentes e por vezes graves, por diminuição dos globulos brancos, ou leucocitos. Podem surgir hemorragias nasais, das gengivas, assim como da pele, por diminuição das plaquetas.
Pode-se encontrar menos frequentemente aumento do baço, do fígado ou dos gânglios.
Como se diagnostica?
Quando existem sintomas o hemograma é o primeiro exame a fazer e geralmente mostra anemia e eventualmente diminuição dos globulos brancos e/ou das plaquetas; podem surgir células mais jovens no sangue periférico. No caso de se encontrarem esta alterações o seu médico irá referenciá-lo a um hematologista. Este especialista irá observá-lo e pedirá vários exames necessários para o diagnóstico como o mielograma. Este exame permite o exame da medula ao microscópio, sendo evidentes alterações da forma das células - displasia. Fig. Boaventura
Outros exames da medula são a imunofenotipagem e o estudo citogenético , importantes para o diagnóstico e prognóstico.
Na maioria dos casos é igualmente realizada biópsia óssea.
Que exames preciso de fazer?
Para além do hemograma e do mielograma o seu médico irá pedir análises para avaliar o funcionamento do fígado e do rim bem como outras parametros importantes. São também habitualmente pedidos exames para o estudo cardíaco e radiografia do tórax. Estes exames permitem estabelecer os factores de risco da doença e melhor escolher o tratamento.
O que são os factores de risco?
Factores como a idade, estado geral, o tipo de SMD e as alterações genéticas, determinam a gravidade da doença, o risco de transformação em leucemia aguda e a escolha do tratamento. As SMD são classificadas em baixo risco, risco intermédio 1, risco intermédio 2 e alto risco de acordo com o índice de prognóstico internacional (IPSS).
Qual é o tratamento?
O tratamento depende dos sintomas do doente, tipo de SMD e dos factores de risco. Em linhas gerais consiste em diversas modalidades:
- Tratamento de suporte
- Terapêutica para eliminar as células anormais - tratamento citoredutor.
- Transplante de células estaminais
Tratamento de suporte
Transfusões
A principal queixa dos doentes é o cansaço devido à anemia e a maioria dos doentes vem a precisar de transfusões de sangue. Uma das complicações de múltiplas transfusões é a sobrecarga de ferro, que existe na hemoglobina; por vezes é preciso terapêutica para eliminar esse ferro em excesso. Em algumas situações de hemorragia pode ser necessária transfusão de plaquetas.
Factores de crescimento
A eritropoietina é uma hormona produzida pelo rim que estimula a produção de globulos vermelhos.. Por técnicas especiais é produzida em laboratório a eritropoietina recombinante que é administrada semanalmente, por injeção sub-cutânea. Para aumentar o número de leucócitos pode ser utilizado G-CSF – granulocyte colony stimulating factor (filgastrim).
Terapêutica quelante do ferro
Um dos problemas decorrentes das transfusões frequentes é a sobrecarga de ferro que se deposita em vários órgãos, nomeadamente no coração e fígado, provocando a sua falência. Para tratar esta complicação são utilizados medicamentos chamados quelantes do ferro, como o deferasirox e defipirona.
Terapêutica citoredutora
As SMD são doenças neoplásicas ( malignas) que podem evoluir para leucemia aguda. O tratamento citoredutor tem como objectivo a eliminação das células neoplásicas e pode incluir diversos tipos de medicamentos como os agentes hipometilantes, como a azacitidina, os imunomoduladores, como a lenalidomida e outros tipos de fármacos.
Nas SMD de alto risco e em doentes mais jovens pode estar indicada quimioterapia intensiva como para tratamento de uma leucemia aguda.
Quimioterapia intensiva e alotransplante
A terapêutica citoredutora mais intensiva, como a utilizada na leucemia mieloblástica aguda, é pouco eficaz nas SMD, com baixas taxas de remissão e de curta duração. A resposta é particularmente desanimadora nos grupos de alto risco - SMD com múltiplas anomalias cromossómicas ou delecções dos cromossomas 5 e 7 e nas mielodisplasias secundárias a quimioterapia.
Da mesma forma o transplante de células progenitoras é acompamhado de significativa morbilidade e mortalidade na minoria de doentes elegíveis para esta modalidade de tratamento.
No entanto, nos últimos anos tem havido considerável avanço nesta área, em particular com a utilização de regimens de condicionamento menos intensivos – regimens “RIC” (reduced-intensity conditioning) – que provocam menor mielosupressão e que incorporam terapêutica imunosupressora de forma a evitar a rejeição do enxerto. Estes regimens permitem oferecer esta opção terapêutica a doentes mais idosos.
As células progenitoras podem ter origem num irmão compatível, mas também num dador não familiar; as técnicas de histocompatibilidade cada vez mais sensíveis têm permitido maior selecção de dadores não relacionados, sendo cada vez maior o número de voluntários que incorporam esses painéis internacionais.
Outra das possíveis fontes de células estaminais é a colheita de sangue do cordão umbilical, mas o número de células obtido é diminuto e insuficiente para a maioria dos doentes.
Seguramente nos próximos tempos veremos importantes desenvolvimentos na transplantação alogénica, com intodução de novos agentes citoredutores e imunosupressores.
Como é que vai afectar a minha vida? O que posso fazer?
O curso clínico nas SMD é variável, mas a maioria dos doentes vem a necessitar de suporte transfusional e/ou de factores de crescimento. Os internamentos, particularmente dos mais idosos, são frequentes, geralmente por complicações infecciosas; a mortalidade é devida principalmente a estas complicações ou a hemorragia.
Cerca de 40% dos doentes evolui para leucemia mieloblástica aguda, geralmente com má resposta à terapêutica.
O reconhecimento da diversidade clínica e sua associação a determinados factores de risco é muito importante para a decisão terapêutica. É muito importante a prevenção de infecções e deve falar com o seu médico sobre a administração de vacinas.
O reconhecimento dos primeiros sinais de infecção e o tratamento precoce das mesmas são essenciais; é importante recordar que nem sempre uma infecção se acompanha de febre e por vezes há apenas mal estar geral, confusão ou desorientação, particularmente nos mais idosos.
Quais são as complicações dos tratamentos?
Os efeitos gerais da quimioterapia são nauseas, vómitos, queda de cabelo e diminuição dos valores hematológicos. Alguns medicamentos têm efeitos particulares que poderá consultar em “Efeitos adversos da quimioterapia”
O que posso fazer para evitar complicações?
A informação é a sua melhor defesa em relação às complicações dos tratamentos. Procure sempre esclarecer com os médicos e enfermeiros o que pode esperar do tratamento e as possiveis complicações.
Deve evitar contacto com pessoas com infeções e locais com muita gente, assim como sair em dias frios e húmidos.
Uma correcta alimentação e hidratação são fundamentais e deve manter algum grau de actividade física, de acordo com as suas capacidades. Se é ainda fumador aconselhamos vivamente que deixe de fumar; no caso de ter bronquite crónica ou enfisema beneficiará muito de cinesiterapia, pois melhora a capacidade respirtatória e diminui o risco de infecções.
Fale com o seu médico sobre a vacinação contra a gripe e pneumonia e sobre a possibilidade de ter sempre consigo um antibiótico de forma a iniciar imediatamente tratamento, se só puder contactar telefonicamente com os seus médicos.
Posso evitar uma recaída?
Infelizmente não existe prevenção possivel, mas deve estar atento aos primeiros sintomas de recaída para que se possa actuar atempadamente.
Que novos tratamentos estão a ser estudados?
O tratamento das SMD tem evoluido muito nas últimas décadas. Novos fármacos como o trióxido de arsénico, vorinostato e muitos outros, assim como novas combinações de fármacos já em uso e a melhoria nas condições de transplante de células progentoras são muito prometedores no tratamento das síndromes mielodisplásicas.